Uma feira por vez
Diário da Escritora #22 - Minha literatura não tem pressa, ela pode esperar
Eu tinha muitos planos para esse feriado de Corpus Christi, desde fazer uma imersão de escrita em algum chalezinho no pé da serra, até fingir que perdi o celular e as chaves de casa para passar os dias enfiada no sofá, colocando as leituras em dia. Até que o feriado finalmente chegou, e acabei surpreendendo todos os meus planos com a adoção de um gato. Na verdade, o processo já estava em andamento e tudo acabou acontecendo para que esse feriado fosse a data ideal para a chegada de Gato Samuel em casa. E ele já chegou cumprindo muito bem sua função de regulador emocional, porque entre muitos ronrons e movimentos rápidos para tirá-lo de lugares perigosos, eu passei ao largo da Feira do Livro sem muita angústia pelo que estaria perdendo.
Para não dizer que perdi, eu a visitei na quinta-feira, para encontrar uma amiga que precisava pegar um livro comigo, e depois no sábado, porque precisava de alguma desculpa para sair de casa e não deixar o Gato Samuel mal-acostumado com a minha adorável onipresença. E esse foi o primeiro ano em que, além de não ter acompanhado a programação, eu também não comprei nenhum livro. Isso me fez pensar em como minha relação com as feiras mudou ao longo do tempo.
A primeira vez que participei da Bienal do Livro foi com uma excursão da escola, eu deveria estar na quinta série e já escrevia fanfics no verso da apostila. Meus canais de acesso aos livros eram fartos, eu podia contar com a única livraria da cidade, a biblioteca municipal e a biblioteca da minha escola. Eu lia o que os professores recomendavam e o que me interessava nas vitrines desses três lugares. Foi assim que li “Estação Carandiru” aos 11 anos e também foi assim que descobri “O Dia do Curinga”, que me despertou a urgência em escrever. E mesmo com acesso a essa variedade de livros, nada se comparou ao deslumbre de entrar em um pavilhão lotado e descobrir a vida pública e barulhenta dos livros, completamente diferente da minha vida silenciosa e solitária de leitora.
Depois, quando estava na faculdade de Letras, eu aproveitava essas feiras para comprar os livros que constavam na bibliografia do curso. Então, diferente da adolescência em que eu lia praticamente tudo o que me aparecia na frente, minhas escolhas dessa época eram majoritariamente pautadas por aquilo que a academia me apresentava como referência de literatura e teoria literária.
Enfim, nesse último ano em que a minha escrita autoral exigiu cada vez mais espaço, as feiras se tornaram sinônimo de encontro. Tanto no sentido de explorar os lançamentos e descobrir novos títulos que interessam à minha pesquisa, quanto no sentido de vadear entre os estandes e encontrar amizades que sustentam a caminhada.
E não quero dizer que cada uma dessas fases substituiu a outra, na verdade, a cada ano descubro mais um prazer. Eu ainda me sinto deslumbrada quando passo por algum autor que admiro, eu ainda aproveito os descontos comerciais para comprar livros de referência que estava namorando há tempos e cada vez mais, aproveito as festas para encontrar as amigas e sentir no abraço os coraçõezinhos que trocamos virtualmente em cada publicação.
Talvez a delícia desse ano seja trocar o sentimento de urgência de comprar e ver tudo como se cada feira fosse a última, pela tranquilidade de saber que a minha literatura não tem pressa e que, uma feira por vez, os livros e as amigas vão sempre chegar.
Continuando o assunto, trouxe o relato de duas autoras que estão em pontos diferentes da caminhada. De um lado, a Luisa participou presencialmente e com livro de estreia no estande de uma editora independente, do outro lado, a Fabiane não foi a Feira, mas seus livros estavam bem posicionados na Companhia das Letras. As duas, em momentos diferentes da caminhada, me deram a perspectiva de que a caminhada é longa, nem sempre a gente consegue admirar a paisagem, mas, de um jeito ou de outro, a escrita nos faz seguir. E, porque nem só de sonhos vive o artista, finalizo com um podcast da Publishnews que mostra com estatística e análise crítica aquilo que aperta o coração de quem escreve.