Vamos começar, como sempre, pela inspiração deste texto. O fato é que realmente abriu uma lavanderia tipo self-service no caminho entre a minha casa e a lavanderia que eu costumava levar minha roupa de cama e eu consegui escrever bastante coisa enquanto estava entediada esperando a roupa bater, inclusive a primeira versão desta crônica. Daqui pra frente o que temos é pesquisa de referência.
Me lembrei de um artigo que conheci em uma das oficinas da Esc. que falava sobre um colecionador de máquinas de lavar, um outro artigo que encontrei no twitter sobre as mudanças no bairro de Pinheiros que surpreenderam os moradores durante a pandemia e mais uma música sapeca sobre esse tema (sim, uma música sobre lavar roupa).
O primeiro motivo pra buscar referências neste texto foi responder uma perguntinha capciosa: “Quem vai querer ler um texto sobre lavanderia?” Revisitando as referências sob ponto de vista de leitora, percebi alguns dias depois do meu primeiro contato com a história do colecionar e ainda me perguntava “mas como pode… catorze máquinas num apê de 50m…”, isso me dizia que eu deveria levar o texto pra algum tipo de excentricidade ou exagero. Depois o texto de Pinheiros me ajudou a localizar a história no espaço e criar problemas para a personagem se mover, por exemplo, o barulho que ela tinha em casa por conta das construções e a ocupações de espaços de trabalho pelo aumento das pessoas em home office, etc… Enfim, a música malandra me fez pensar no gênero da crônica que é sempre meio engraçadinho.
Agora vamos para o trabalho com a primeira versão. Eu escrevi esse texto quando abriu o edital para o prêmio Off Flip de 2024, então decidi revisar de acordo com os parâmetros do concurso. O principal desafio foi adequar ao tamanho solicitado, meu texto tinha 53 linhas, mas o edital pedia 30 no máximo. Confesso que apesar de ter uma tendência maior em ampliar do que cortar o texto no momento de reler e editar uma primeira versão, eu encontro um certo prazer em sair canetando. Imprimir o texto, riscar tudo de vermelho e depois revê-lo mais coeso e trabalhado em um arquivo novo e folha do google docs. É quase como deitar na roupa de cama recém-lavada.
Para reduzir as 23 linhas necessárias eu precisei cortar parágrafos inteiros e confiar na capacidade de dedução do leitor. Por exemplo:
No primeiro parágrafo eu apresentei a personagem a personagem dizendo “Camila é tradutora e revisora de texto e ao longo dos anos criou uma vasta lista mental de cafés e bibliotecas…”. Minha intenção era primeiro justificar a liberdade de escolha para o local de trabalho e depois criar o efeito de um hábito e um conhecimento lapidados ao longo do tempo para a quebra dessa rotina ter um impacto maior e por isso o uso de palavras como “ao longo dos anos” e “vasta lista mental”. E depois ainda dediquei uma frase inteira para detalhar a expertise dela “Sabia exatamente em qual poltrona…”.
Tudo isso foi cortado e reduzido à “Ao longo dos anos como tradutora e revisora, Camila criou uma lista de bibliotecas e cafés que gostava de frequentar para trabalhar” e toda a frase dos detalhes foi cortada. Em outro momento a palavra “frequentar” foi substituída por “ir” pq qualquer caractere conta depois de cortar parágrafos e frases inteiras.
Consegui cravar as 30 linhas e submeti o texto e recebi o email de aprovação para a coletânea algumas semanas depois. E agora chegamos à parte mais interessante desta análise, pois não envolve somente técnica literária, mas meu ego e inseguranças.
O prêmio Off Flip é aberto para as categorias conto, crônica e poesia com tema livre. Além dos prêmios em dinheiro e estadia na FLIP para o primeiro colocado, a publicação na coletânea também dá visibilidade, pq eu seria lida por outros autores que também foram selecionados e autoridade pra poder divulgar e colocar no perfil “crônica selecionada para o prêmio Off Flip”.
Eu fiquei feliz por ter sido aprovada para publicação, mas sabia que não tinha a menor chance de ganhar um prêmio com uma crônica sobre lavanderia. Tenho plena consciência que por conta da limitação de frases e dos cortes o meu texto estava coeso, mas também tinha muito das referências e das minhas intenções de contexto e humor que eu poderia ter entregue com o texto original.
Diante deste dilema e um pouco preocupada de estar caindo em um autoboicote ou síndrome da impostora, fui ao encontro de outras amigas escritoras em busca de conselhos. Conclui que eu teria apostado mais fichas em ganhar o prêmio com o trabalho na íntegra ou pelo menos um limite maior de linhas. Além disso, o argumento da validação e visibilidade não me convenceram totalmente, justamente por ter sido aprovada com um texto sem toda a sua potência.
Por enquanto, acredito que posso construir minha autoridade como escritora, por exemplo, com esta iniciativa de mostrar os bastidores da edição de cada trabalho e com o dinheiro da cota de publicação eu posso investir na divulgação da minha página no instagram, por exemplo.
No curso que fiz com a Aline Bei eu aprendi que a edição do texto tem que potencializar nossa obra e não matá-la e também aprendi a não ter medo do tempo. Ela me ensinou que a literatura é a arte da paciência e às vezes é melhor esperar até encontrar uma oportunidade que mereça o nosso trabalho.
Fiquei muito satisfeita por ter conseguido me desprender do texto para fazê-lo caber nos parâmetros de um edital, quando eu poderia ter parado já nessa barreira e pensado que meu trabalho já tinha passado do limite e eu não conseguiria alterá-lo. Também sinto que foi um importante ter submetido a crônica mesmo sem acreditar tanto nela e mais ainda por ter sido selecionada. Depois disso eu ainda me inscrevi em outras coletâneas com curadorias mais criteriosas e não passei, mas agora já começo a olhar para os editais como um convite e uma oportunidade ao invés de algo distante e intimidador.
Lavanderia é um baita tema! Nenhum tema é mediocre ou superficial se o autor souber contar sua historia... sobre edicao de textos, recomendo zen na arte da escrita, onde o mestre Bradbury teve que reduzir o mesmo texto umas 4 vezes para '' caber '' na publicacao, a licao que fica? voce sempre encontra um jeito de falar a mesma coisa, diferentemente. e editais???? tem que mandar em todos que puder!!! avanteee <3